
Em um país onde o serviço militar é uma rotina quase exclusiva dos homens, o Ministério da Defesa surpreendeu ao anunciar, nesta quarta-feira, uma novidade histórica: em 2025, pela primeira vez, mulheres poderão se alistar voluntariamente nas Forças Armadas. É um passo tímido, mas que carrega o peso de romper com uma tradição de 78 anos de serviço militar obrigatório masculino. E Mato Grosso do Sul foi escolhido para iniciar essa jornada, com Campo Grande, Corumbá e Ladário entre as poucas cidades onde o experimento começará.
A portaria, publicada no Diário Oficial da União, estabelece um período de alistamento de janeiro a junho do próximo ano, válido apenas para mulheres de 18 anos que moram nesses municípios. O processo poderá ser realizado pela internet — porque, afinal, estamos no século 21 — ou presencialmente, nas Juntas de Serviço Militar locais, caso as interessadas prefiram o contato cara a cara com o sistema que agora tenta se adaptar à presença feminina.
A chegada do fardamento feminino – A ideia de ter mulheres de uniforme militar não é exatamente nova no Brasil, mas até agora estava restrita aos concursos específicos e às áreas de apoio, como saúde e logística. Atualmente, as mulheres ocupam cerca de 10% das vagas nas Forças Armadas, com funções majoritariamente longe do front. O alistamento, até então uma obrigação universal dos jovens homens que completam 18 anos, agora se abre para o público feminino de forma voluntária, oferecendo a oportunidade para que elas também assumam papeis operacionais.
O plano inicial é modesto: 1.500 vagas em todo o país, uma gota no oceano de militares. Mas, para os responsáveis, essa abertura é apenas o primeiro passo. Se tudo der certo, dizem, o programa pode crescer gradativamente. Até lá, as mulheres que decidirem se alistar terão um caminho cheio de etapas — como exames de saúde e aptidão física — e, caso aprovadas, podem ser chamadas a se apresentar em março ou agosto de 2026. O compromisso é de 12 meses, renováveis por até oito anos, se ambas as partes, Forças Armadas e recrutas, assim desejarem.
Entre a tradição e a mudança – Enquanto alguns veem a iniciativa como um sopro de modernidade, outros encaram com desconfiança a entrada das mulheres no serviço militar regular. O Brasil ainda carrega o peso de uma cultura em que o papel de “defender a pátria” era atribuído exclusivamente aos homens. As mulheres que já estão nas Forças Armadas atuam em funções administrativas, médicas ou em escolas militares, onde o ambiente, embora formal, ainda preserva resquícios de um universo tradicionalmente masculino.
Mas a escolha das cidades de Mato Grosso do Sul não foi aleatória. Campo Grande, Corumbá e Ladário são conhecidas por sua proximidade com regiões de fronteira e pela presença histórica de bases militares importantes. Para muitos, é o lugar ideal para começar essa experiência. Se bem-sucedida, a iniciativa pode simbolizar o primeiro capítulo de uma transformação nas Forças Armadas, um espaço onde a tradição e a modernização muitas vezes andam lado a lado — nem sempre de forma tranquila.
Uma nova cara para o serviço militar – Enquanto isso, o Ministério da Defesa se esforça para garantir que o processo seja transparente e acessível. “Queremos que as mulheres se sintam à vontade para fazer parte desse momento histórico”, diz um oficial que pediu anonimato. Para ele, o serviço militar feminino voluntário é um passo significativo, que pode não apenas atrair mais mulheres, mas também tornar as Forças Armadas mais representativas da sociedade que defendem.
Para aquelas que decidirem seguir esse caminho, os próximos meses serão decisivos. Elas farão história não apenas por se alistarem, mas por desafiarem um sistema que, até pouco tempo atrás, nem sequer as via como parte do “exército” que é de todos.
E se o futuro permitir, talvez um dia o serviço militar feminino não precise ser voluntário nem limitado a cidades específicas. Talvez ele seja apenas mais uma escolha na vida adulta, uma possibilidade a mais entre tantas outras, numa pátria que aos poucos vai aprendendo a redefinir quem são seus “soldados”.
Com informações da Crítica.